Na matéria de hoje vamos falar sobre o ato de escrever. Quando vemos uma criança “desenhando” as primeiras letras, achamos lindo, porém, não imaginamos que isso é muito mais difícil do que parece!

Conversei com a Terapeuta Ocupacional, Bárbara Moura, que explicou como funciona e o que está por trás da ação da escrita.

Segundo Bárbara, “o ato de escrever é a função mais complexa que temos das nossas mãos. É através da escrita que podemos comunicar e aprender. Mas para adquirir essa habilidade são necessárias aquisições cognitivas e motoras prévias”.

É necessário dizer que a coordenação motora “é a capacidade de usarmos nosso corpo no espaço de forma eficaz, plástica e econômica. Com isso, mantemos nosso corpo com a melhor postura para o movimento preciso para uma determinada função. Por exemplo, para andar, é necessário que o nosso corpo se mantenha ereto, com a cabeça segura, e demos passos alternados, de forma que não haja queda, e menos desgaste físico. Mas quando queremos realizar uma atividade que necessite maior destreza, como escrita, recortar, desenhar, teremos que ter maior capacidade de coordenar nosso corpo, nossas mãos, nosso olhar, nossa atenção para essa tarefa. Pois, para que a escrita seja realizada de forma rápida e eficaz, devemos estar sentados, com cotovelos e mãos apoiados, direcionado o olhar para o papel, com os dedos formando a pinça adequada para pega precisa do lápis. Com isso vamos realizar uma tarefa de forma eficaz, plástica e econômica”, explica Bárbara.

Como podemos perceber, não é tão simples quanto parece! Muitas crianças têm dificuldades na hora de começar a escrever. É importante que os pais estejam sempre atentos para ajudar os filhos. Mas, como saber se está tudo bem com a coordenação motora dos filhos? A terapeuta ocupacional destaca que “a coordenação motora envolve processos cognitivos e motores. Essas habilidades começam a ser adquiridas desde o útero, pois lá o bebê brinca com o cordão umbilical e se movimenta dentro daquele pequeno espaço. Depois que nasce, o espaço a sua volta aumenta consideravelmente, então ele começa a se adaptar. Ele precisa se movimentar mais, buscar mais, ir até o que ele deseja, sendo, inicialmente, o peito. Com isso, ele aprende a coordenar os movimentos essenciais para a sua sobrevivência, coordena a sucção com a respiração, o movimento da cabeça, e assim por diante”.

Quando a criança começa a pegar objetos e leva-os à boca, segundo Bárbara, “às vezes, observamos alguns tremores, uma incoordenação para alcançar o móbile, mas ela consegue e percebemos que ela faz isso cada dia com mais precisão. Com o tempo, o bebê começa a deslocar o corpo, engatinhar, andar, pular, entrar dentro dos armários e caixas. A criança descobre seu corpo no espaço, seus limites, para depois começar os processos que chamamos de coordenação motora fina, a qual é essencial para a escrita. Porém, sem a vivência de experimentar e coordenar o seu corpo como um todo, é mais difícil para criança ter uma coordenação motora fina adequada para a escrita”.

Bárbara ainda afirma que “se a criança tem uma boa exploração do seu corpo e do espaço a sua volta até os quatro anos de idade; é uma criança que consegue subir em árvores, portas, escaladas ou algo semelhante, se ela passa por debaixo de obstáculos, balança, corre, provavelmente, seu filho apresenta uma boa coordenação motora e, dificilmente, apresentará comprometimentos com o processo de aquisição da escrita. Agora se uma criança que tem medo de explorar o próprio corpo e o espaço, evita parquinhos, brincadeiras coletivas, cai com frequência, fique atento! Pois pode apresentar alguma dificuldade de coordenação motora, a qual impactará no processo da escrita”.

Muitos pais ficam preocupados com a escrita e começam a comparar seus filhos com outras crianças. Não façam isso! Cada criança é única e tem tempos de desenvolvimento diferentes. Antes da coordenação motora fina, a criança precisa adquirir a coordenação motora grossa. É um processo!

Como destaca Bárbara, “o processo de aprendizagem da escrita ocorre através do desenvolvimento da coordenação motora grossa, que envolve todo o nosso corpo. Depois que a criança apresenta domínio do seu corpo, ela consegue responder com habilidades motoras mais complexas, como a escrita. Mas, antes da escrita propriamente dita, a criança vai realizar suas primeiras garatujas (aqueles desenhos que não identificamos o que é), vai desenvolver sua preensão do lápis; com isso ela evolui com seus desenhos, consegue nomeá-los, desenhar com mais precisão, até que são inseridos pela escola o desenho das letras, para depois ocorrer a escrita”.

Um ponto importante é que “o início do ato de escrever depende de vários fatores, da própria criança (algumas são autodidatas), de quando é ensinado, pois cada escola trabalha com um modelo metodológico (algumas iniciam aos quatro anos e outras só depois dos seis). Em relação a idade em se introduz a escrita não há certo ou errado, e sim o que as famílias e as escolas acreditam. Particularmente, acredito que até os cinco anos, pelo menos, as crianças devam ser incentivadas a brincar, explorar si próprias e o espaço em sua volta, para depois preocuparmos com a alfabetização e escrita”, explica Bárbara.

A terapeuta ocupacional destaca que “quando as crianças estão preparadas e amadurecidas nos aspectos cognitivos e motores, o processo de aprendizagem da escrita ocorre de forma natural; a criança busca por esse aprendizado, se interessa para essa ação. O esperado é que até os oito anos de idade a criança já tenha fluência na escrita cursiva, com agilidade, precisão e sem gasto de energia excessivo”.

Cada criança tem o seu tempo! Não podemos apressar nada! “A criança sempre mostra quando ela está apta para dar os próximos passos; ela demonstra interesse em aprender o novo. De forma natural e com as oportunidades, o aprendizado da escrita acontece. Então, nós, pais, percebemos que a criança se interessa pelas letras, pelo desenho, fica contente em conseguir fazê-las, consegue ficar tempo suficiente sentado para o aprendizado. Entretanto, há crianças que vão ter dificuldades nesse aprendizado e, se nós, pais, percebemos que, por volta dos seis anos de idade, a criança não apresenta interesse por esse aprendizado, fica irritada, resistente, chora, tenha atenção com essa criança, pois ela pode ter alguma dificuldade, que com tratamento e amor conseguimos ajudá-las”.

A terapia ocupacional, muito usada em casos de dificuldades motoras, pode ajudar! Bárbara destaca que “a terapia ocupacional pode intervir quando o processo da aprendizagem ou mesmo da execução da escrita apresenta-se demorada, difícil, com pouca coordenação motora fina. O profissional avalia os motivos que tem causado barreiras nesse aprendizado, que pode ser algum transtorno de aprendizado ou alguma deficiência que interfira no processo cognitivo e motor, fraqueza da musculatura da mão ou global. Essa dificuldade pode ser por causas cognitivas e/ou motoras. Após a avaliação, o terapeuta intervirá nessas dificuldades com estímulos motores, cognitivos, planejamentos, integração sensorial e, se necessário, com adaptações, tanto nos lápis/canetas/borrachas/cadernos como nos mobiliários escolares, e, dependendo, com a criança”.

Atenção: “através do suporte adequado é possível auxiliar que as crianças que possuam alguma dificuldade com a escrita participem efetivamente no contexto escolar. Lembrando que, com algumas crianças a escrita não será possível, mas há outras formas de introduzi-la com uso de tecnologias, por exemplo, computadores e tablets”, afirma Bárbara.

Uma dúvida muito comum é quando a criança deve começar a desenhar e qual lápis usar. Bárbara explica que “com um ano, o bebê já é capaz de pegar em uma caneta ou lápis e fazer pequenos traços, então podemos oferecer brincadeiras que envolvam papéis grandes, como cartolinas e papel kraft, com giz de cera grosso, tinta ou canetões. Lápis, giz de cera e canetões são indicados para crianças até três anos. Depois, o indicado são os lápis triangulares até os seis anos, e após, introduz o comum.  Mas há adultos que preferem e se adaptam melhor com lápis e canetas mais grossos, outros com os triangulares e outros com o mais fino. O importante é oferecer o instrumento que melhor se adapte a cada pessoa”.

Um detalhe importante: “em relação ao aprendizado da escrita, ser destro ou canhoto cognitivamente não há diferenças. Entretanto, o espaço em que vivemos é feito para destros! A escrita ocidental é da esquerda para direita, os cadernos, as carteiras, os utensílios, são feitos para destros. Com isso, a criança canhota pode apresentar dificuldade pelo fato do ambiente não ser adequado para seu aprendizado, e isso pode causar uma dificuldade de processamento do cérebro (leiam a entrevista lateralidade cruzada). Então, quando perceberem que a criança utiliza mais o membro esquerdo, facilite para que ela tenha domínio nesse lado, sem tentar ‘transformá-la em destra'”, destaca Bárbara.

Como podemos perceber, o ato de escrever vai muito além do que os olhos veem! Ter paciência e respeitar o desenvolvimento da criança é fundamental!

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