Muito se fala em música na infância. Mas, afinal, como educar o filho para a música? É possível ajudá-lo a se desenvolver por meio dos sons?
Conversei com a Betânia Parizzi, professora da Escola de Música da UFMG e doutora em Ciências da Saúde pela Faculdade de Medicina da UFMG, que deu uma aula sobre o assunto!
A música, como se sabe, é fundamental para o bebê desde o ventre da mãe. Colocar músicas para o bebê ouvir e principalmente cantar para o bebê enquanto ainda está dentro do útero ajuda-o a se sentir amado, seguro e até estimula o seu desenvolvimento. Após o nascimento, essa prática deve ser cada vez mais intensificada. Você sabia que a música permite um melhor desenvolvimento infantil?
Betânia destaca que, durante cinco anos, ela fez uma pesquisa, no Hospital das Clínicas (Belo Horizonte, MG), com bebês nascidos muito prematuros, no máximo 30 semanas de gestação, com peso entre 500 gramas e 1 quilo. “Foram 40 bebês! Eles ficaram muito tempo em UTI neonatal. Alguns fizeram cirurgias com poucas horas de nascidos, outros ficaram no respirador, com sonda, fora de casa e sem o amor da família, ou seja, tiveram um início de vida muito traumático. Muitos só tiveram alta com dois meses de idade cronológica (sem fazer a correção da idade)”, relata Betânia.
Para mostrar como a música faz a diferença na vida de uma criança, 20 bebês da pesquisa foram submetidos a um trabalho de educação musical e os outros 20 não. “Quando tiveram alta hospitalar, começaram a ser assistidos no ambulatório ACRIAR (Ambulatório para Criança de Risco do Hospital da Clínicas da UFMG). Lá eles tinham fonoaudiólogos, terapeutas ocupacionais, fisioterapia, neurologia, puericultura e, alguns bebês (com idades entre três e cinco meses) faziam as aulas de música como diferencial. Eles iam toda semana para as aulas até completarem um ano de idade”, ressalta Betânia. E eis que vem a grande surpresa: “17 bebês dos 20 que faziam as aulas de música, com um ano de idade, estavam com o desenvolvimento compatível com o de crianças nascidas a termo. Inclusive, alguns esses bebês, hoje entre oito e nove anos de idade, ainda estudam comigo, cantam no coral da UFMG, tocam piano, fazem aula de musicalização”, alegra-se Betânia.
Betânia destaca que “essa pesquisa reforçou o que a neurociência já vem mostrando há algum tempo: a música é a atividade humana que mais mobiliza simultaneamente todas as partes do cérebro. Não existe outra atividade que faça isso simultaneamente! Mas é importante que este processo de desenvolvimento musical aconteça de forma sistemática, ou seja, seguindo uma frequência de aulas”.
Por isso a música é fundamental na vida da criança! Por meio da educação musical, “a criança vai cantar, tocar instrumentos, mover o corpo, escutar música, criar suas músicas, pensar e falar sobre música. Mas, ao escolher uma escola de música, os pais devem estar atentos ao trabalho que é feito! Hoje existem inúmeras escolas, mas nem todas têm uma orientação musical qualificada. Como afirma Betânia, “a sessão tem que ser lúdica, uma brincadeira; mas, por trás, precisa ser uma aula que considere as competências cognitivas, motoras e emocionais da criança”.
Cabe reforçar que, o estudo da música tem sido visto como uma forma de se investir nas funções cognitivas básicas, principalmente a memória e a atenção. Assim, várias partes do cérebro são acionadas (o que é comprovado por meio de exames de neuroimagens). A atividade musical mobiliza, simultaneamente, áreas no cérebro responsáveis pela visão, audição, pelas reações motoras, pelas emoções, pela percepção, dentre outras. O corpo caloso, estrutura do cérebro que une os dois hemisférios, aumenta de tamanho, ou seja, existe uma ‘conversa mais intensa’ entre os dois hemisférios. Assim, as informações podem ser processadas mais rapidamente no cérebro de uma pessoa submetida a trabalho musical semanal, bem orientado e de forma sistemática”, relata Betânia.
E mais, “as aulas de música contribuem inclusive para a socialização. A partir dos cinco ou seis meses já é possível frequentar aulas de musicalização em uma escola de música. As mães podem trocar experiências, observar os gostos musicais do seu bebê, suas emoções diante de certas obras musicais, os instrumentos preferidos, e os bebês interagem entre si e observam os comportamentos do colegas”, explica Betânia.
Pesquisas atuais revelam o aumento do desenvolvimento de crianças autistas por meio da educação musical. O objetivo não é tratar a criança, mas buscar e desenvolver suas competências. Existe uma conotação terapêutica também, pois após alguns meses de trabalho musical, são observadas melhoras nas condições gerais da criança autista. Muitas dessas crianças não falam, são monossilábicas, não interagem, são agressivas, se assustam facilmente. Com a música, aos poucos, elas se acalmam, começam a interagir e até a falar. É emocionante”, alegra-se Betânia!
E a música pode, sim, mudar a vida da pessoa! E, o melhor, ela pode ser iniciada em qualquer idade! Como destaca Betânia, “o ideal é começar desde o ventre materno. Mas pode começar mais tarde? Claro! Sempre é hora de começar! Existe o aprendizado informal de música que a grande maioria das crianças tem. As famílias cantam com as crianças, ouvem boas músicas dentro de casa, levam os filhos a espetáculos. Tudo isso são formas de trabalhar as questões musicais”.
É importante considerar que a música deve ser aprendida como se aprende a língua materna. “A criança aprende a falar informalmente. Existe um comportamento que é um instinto humano (a parentalidade intuitiva), presente em todas as culturas do mundo. Os adultos e as crianças mais velhas têm a necessidade de proteger e ensinar as características da cultura aos bebês. Como exemplo desse comportamento, citamos a forma com que os adultos falam com os bebês: fala mais aguda, pausada, repetindo palavras. É o manhês! Essa forma de comunicação é vital para o desenvolvimento do bebê! Faz com que o bebê queira viver e o estimula a se comunicar com as pessoas que o cercam! Esse diálogo afetivo é que promove todo o desenvolvimento do bebê. O bebê que é privado dessa forma de comunicação pode vir a ter déficit cognitivo irreversível. Essa forma tão musical de comunicação entre adultos e bebês é inata, dá origem à fala e à música e proporciona enorme prazer ao bebê”, afirma Betânia.
“Eu vejo a música como uma forma de mudar o mundo para melhor! O dia em que todas as escolas de educação infantil, públicas e particulares tiverem um educador musical bem formado, as crianças terão seu potencial humano muito mais desenvolvido. Todos nascemos com um potencial! E ele vai se desenvolver de acordo com o contexto que está inserido. Hoje em dia, questões relacionadas à herança genética estão sendo revistas. Já há pesquisas, inclusive, com gêmeos idênticos, que têm a mesma carga genética, mas foram criados separados, em ambientes diferentes. Depois de um tempo, faz-se um exame de DNA e observa-se que houve alteração dos genes dos dois irmãos gêmeos. O meio altera o gene”, destaca Betânia.
É importante destacar que “o estímulo musical acelera as competências que você pode vir a ter ao longo da vida. Uma criança que não foi submetida a um trabalho de educação musical terá um curso de desenvolvimento que poderia ter sido ampliado por um trabalho desta natureza. A música é uma possibilidade poderosa de se desenvolver todo o potencial do seu filho em termos de comunicação, sensibilidade, percepção, atenção e memória”, ressalta Betânia.
Betânia faz um alerta: “o ‘aprendizado’ da música deve começar antes do nascimento. O primeiro contato do feto com o mundo exterior é pela audição, já a partir da vigésima semana de gestação! Os bebês já nascem com memórias e preferências pelas obras musicais que ouviram antes de nascer. Assim, o gosto musical é também de responsabilidade dos pais. A partir do nascimento, já existem muitas estratégias que podem ser feitas pelos pais (com orientação de um bom educador musical) que, certamente, contribuirão para o desenvolvimento não apenas musical, mas também cognitivo do bebê. Quando o bebê já puder frequentar uma escola de música acompanhado pela mãe (normalmente a partir dos cinco ou seis meses de idade), ele terá acesso a uma aula em pequenos grupos (em torno de três ou quatro bebês), o que impulsionará ainda mais seu desenvolvimento geral.
Quanto ao aprendizado de um instrumento, tudo depende da metodologia adotada. Em Belo Horizonte há uma escola de música que inicia as crianças ao piano, bateria e violino a partir dos três anos de idade (ou mesmo antes!), pois utiliza uma metodologia fantástica, criada a partir do desenvolvimento cognitivo da criança. Assim, “digo que tudo depende do educador musical que ministrará a aula. Se ele tiver uma excelente formação pedagógica e musical e pleno conhecimento do desenvolvimento cognitivo e emocional da criança, a iniciação ao instrumento pode se dar bem cedo”!
Assim, em relação à escolha do instrumento musical, o ideal, como explica Betânia, “são os aqueles para os quais já existem metodologias adequadas para crianças na primeira infância e que não oferecem dificuldades operacionais muito grandes para os alunos menores. O violão, por exemplo, é inadequado para crianças menores de cinco anos, pois a criança nesta faixa etária não tem tônus muscular para pressionar as cordas e pode se sentir frustrada ao longo do processo. Eu recomendo começar pelo piano ou violino”.
Para terminar, Betânia dá algumas dicas muito importantes para os papais: “se o bebê só escutasse uma única frase ao longo do seu primeiro ano de vida, certamente teria dificuldade para falar, pensar, ler e escrever. Seu repertório seria extremamente limitado. Assim também acontece com a música! Se eu escutar apenas um gênero musical com o bebê, ele terá um repertório limitado para falar, pensar, ler e ouvir musicalmente. Devemos levar diversidade musical aos bebês, com obras que tenham algo a dizer. Existem inúmeras músicas maravilhosas! Deve-se levar o rock de boa qualidade, o samba, a MPB, a música étnica e, principalmente, a música erudita. Muito importante também levar obras musicais sem texto, pois as palavras mobilizam a tenção da criança! A música erudita (ou de concerto) agrega um investimento intelectual refinado; há um maior investimento em estudo e conhecimento para que ela seja criada. O capital intelectual é muito maior! Mas nada melhor que a música ao vivo! Cante para seu filho, cante junto com as obras que vocês estiverem ouvindo juntos, dance, movimente-se com a criança no colo, transforme-se na música! Leve o seu filho a concertos, coloque em casa DVDs de orquestras e assista junto com ele. A Educação musical se constrói desde pequeno. Acredito que criar o hábito da leitura e educar o filho musicalmente são os maiores legados que podemos deixar para nossas crianças”!
Betânia Parizzi coordena o Centro de Musicalização Integrado da Escola de Música da UFMG e é consultora pedagógica no Núcleo Villa-Lobos de Educação Musical.