O mês de abril é dedicado à Síndrome de Wolf-Hirschhorn (WHS). Apesar de ser uma síndrome ainda pouco conhecida, existem inúmeras famílias que convivem de pertinho com ela. Já contei, aqui no Canal Infantil, a história da Daniela Figueiredo, mãe do Rafael e da Luísa (que tem essa síndrome).
Conheci também a história de uma linda família de Vitória da Conquista, na Bahia: a mamãe Gabriela Roza (que é jornalista como eu), o papai Fabyano e a pequena Giovana, chamada carinhosamente de Nana! Mas o que essas famílias têm em comum? A Giovana é portadora da Síndrome de Wolf-Hirschhorn! É muito importante ressaltar que ser portador de alguma síndrome, doença ou deficiência é ser apenas diferente! Nada mais! São crianças comuns!
A Gabriela, antes de se tornar mãe, tinha uma vida estável financeiramente (é concursada), era casada com o homem que ela ama, dormia bem, podia fazer o que quisesse, viajou para o exterior. Porém, “era como se um pedacinho estivesse faltando”!
“Quando decidimos ter um filho, Fabyano e eu planejamos a gravidez. Tomei ácido fólico, fiz todos os exames antes da gestação, esperei três anos para engravidar por causa de uma cirurgia bariátrica que tinha feito, para não causar uma possível falta de vitaminas no bebê. Enfim, teve toda uma preparação”, relembra Gabriela.
Quando engravidou, a felicidade era plena! Segundo Gabriela, “a gravidez, até a 13ª semana, foi tranquila. Até que descobrimos a deficiência de Giovana, por meio do exame de translucência nucal. A medida dela estava alterada; ela tinha um higroma cístico, que é um acúmulo de água na região do pescoço; tinha também pescoço alado e algumas deformidades faciais como queixo para dentro, nariz característico de síndrome. O obstetra desconfiou de Síndrome de Down. Mas, depois, fomos em outro obstetra, referência em imagem, que descartou Síndrome de Down e suspeitou de Síndrome de Turner. Fiz o exame cariótipo por amniocentese (retirada de líquido amniótico do abdômen materno para fins de análise) para fazer estudo genético. Esse estudo estava normal a partir do líquido. É um exame muito perigoso, pois a agulha pode atingir o bebê e estudos dizem que causa 1% de aborto. Eu e meu marido resistimos muito a fazer. Mas outro obstetra, em Salvador, onde escolhemos fazer o parto, disse que se ele tivesse o diagnóstico poderia preparar melhor a equipe para receber Giovana. Algumas síndromes precisam de profissionais específicos, cirurgias. Então optamos por fazer. Só que o exame de cariótipo dela é normal! Assim como o ecocardiograma fetal que fizemos”!
Vocês conseguem imaginar como foi para essa família, na gestação da primeira filha, saber que havia alguma síndrome? Como lidar com isso? Não foi nada fácil! Mas Gabriela e Fabyano saíram muito mais fortalecidos!
Gabriela conta que “a partir do terceiro mês foi uma gravidez muito tensa, triste, não curti. Pouca gente sabia de todos os detalhes envolvidos porque desconfiávamos de Síndrome de Turner, até sair o exame que deu negativo. Ou seja, não tínhamos certeza! Não falamos muito, pois não queríamos palpites e nem que a Giovana sofresse preconceito por uma síndrome que nem sabíamos se ela teria. Não queríamos um rótulo! As pessoas sabiam que era uma gravidez de risco, que eu fazia muitos exames, mas não o por que do risco. Com 26 semanas fiz uma ultrassonografia de rotina (foram várias) e o médico de imagem que me acompanhava disse que eu estava com pouco líquido amniótico, diástole zero. Falou para irmos direto para Salvador, procurar o médico que me acompanhava, Dr. Luiz Eduardo Machado, para fazer o parto. A Giovana, nesse momento, estava com 680 gramas. E a vida dela era muito inviável com esse peso. Hoje eu sei que muitas crianças sobrevivem com esse ou até peso menor. Mas, naquela época, pelas pesquisas que fiz, a vida dela era muito inviável”.
Gabriela e Fabyano não tiveram opção! “Fomos para Salvador no mesmo dia. Era quarta-feira de Cinzas. Chegando lá, o médico disse que eu estava com pouco líquido amniótico, mas ainda não era diástole zero. Então, receitou-me corticoide injetável, uma vez por semana, e repouso. Além disso, fazia ultrassom de dois em dois dias. Foi muito tenso, difícil! Fiquei na casa da minha tia até a Giovana nascer no dia 17 de março de 2013, com 890 gramas”, relata Gabriela.
Um parto prematuro, 31 semanas, e ali estava a pequena grande Giovana! O que viria pela frente ninguém sabia, mas todos tinham a certeza de que o amor envolvido era maior do que qualquer síndrome!
“Ela ficou 15 dias com suporte respiratório (caninho no nariz) e entubada cinco dias. Depois, com 900 gramas, ela passou a respirar normalmente. Uma vitória enorme! Ficou mais tempo na UTI porque precisava ganhar peso e comer sozinha”, conta a mamãe.
Mas só Gabriela sabe como foram os seus dias dentro daquele hospital! “Teve um dia que eu perguntei pela Giovana e falaram que ela estava ótima. Eu comecei a chorar! O resultado do teste do pezinho deu inconclusivo. Não tinha como ela estar ótima, internada há tanto tempo. Falavam que ela poderia ter alguma alteração genética e nunca saía o resultado. A partir daí, o hospital chamou uma geneticista para avaliar a Giovana. Eles achavam muito cedo para avaliar a minha filha. Como ela tinha tomado transfusão de sangue, ela não podia fazer exame genético, pois o material genético dela estava misturado com o de outra pessoa (doador). A geneticista fez a consulta com a Giovana e descobriu alguns achados genéticos, que são características físicas que indicam algo. Uma vez que o cariótipo dela, após o nascimento, também deu normal, a geneticista pediu outro exame genético (CGH-Array). Esse exame foi colhido após o material genético do doador já ter se dissolvido no corpo da Giovana. Fabyano e eu também colhemos exames para fazer o estudo genético”.
Nesse momento, o tempo parece não passar! Os dias correm, mas nada acontece, não tem diagnóstico! Mas, para alegria da família, Giovana teve alta após 68 dias na UTI. Mas, ainda não havia resultado do exame genético nem diagnóstico algum!
“O resultado só saiu após a alta da Giovana. Recebi no meu e-mail. Foi colhido o material em Salvador, mas a análise foi feita na USP. Fui ver o e-mail somente na madrugada. Eu estava em Salvador e meu marido em Vitória da Conquista. Conversamos pelo bate-papo do Facebook, não tinha Whatsapp. E começamos a consultar o pior dos médicos, o Google. Tudo é muito ruim, muito grave, muito severo! Descobrimos então que o apresentado no exame significava Síndrome de Wolf-Hirschhorn ou deleção do braço curto do cromossomo 4 e quais seriam as implicações (muito maiores no Google do que o real). Fizemos uma consulta com a geneticista, com o resultado em mão, e ela explicou tudo”.
Gabriela destaca que “a Síndrome de Wolf é assim: o cromossomo é como um X. Um desses X é o cromossomo 4 e uma parte dele falta. Esse braço de cima chama-se braço curto, por isso, deleção do braço curto do cromossomo 4. É um braço muito pequeno, um pedacinho, mas que faz uma diferença absurda na vida da criança e das pessoas que possuem Wolf-Hirschhorn”.
Durante a gravidez, Gabriela se sentiu “sem chão, abandonada por Deus, injustiçada! O período de aceitação durante a gravidez foi difícil, mas muito importante. Quando a Giovana nasceu, eu só queria que ela fosse minha! Não havia mais revolta, só amor! O amor era maior do que tudo! E mais, quando descobri que ela teria uma síndrome, senti-me abandonada; mas, quando descobri qual era a síndrome, fiquei aliviada, pois tinha um nome, tinha o que tratar, o que pesquisar, como traçar um plano para a minha vida”.
É lindo ver como o amor muda tudo na vida das pessoas! É claro que com o nascimento da Giovana, a vida de Gabriela e Fabyano mudou bastante! Mas, como ela mesma diz, “temos uma vida quase normal! Trabalho oito horas por dia, meu marido também, temos amigos. A vida social é mais fraca porque não podemos sair tanto com a Giovana. Ela tem cinco anos, mas não tem as atividades de uma criança de cinco anos. Nossa vida gira em torno dela, mas não sei se por ela ser especial ou porque a vida dos pais gira em torno dos filhos”.
Como essa síndrome é pouco conhecida, Gabriela e Fabyano tiveram que aprender muito. “Temos um grande conhecimento da área médica. Até pensam que somos dessa área. Nossa vida é cheia de bate-papos com fisioterapeutas, fonoaudióloga, médicos”, explica Gabriela. Porém, a vida da família é muito feliz! “Brincamos com a Nana pensando nos estímulos e também vamos ao parquinho, dançamos, ouvimos músicas do Mundo Bita, e ficamos escutando música infantil mesmo quando ela não está perto.
Olho para ela dormindo e digo: ‘Nossa, como eu consegui fazer uma criança tão linda!’. Hoje eu já penso como sou agraciada por ser mãe de Giovana. Já não é mais ‘Por que comigo?’, mas, sim, ‘Que bom que foi comigo!’”.
Giovana, como podem ver nas fotos, é uma menina de sorriso fácil! Alegre e doce como só ela sabe ser! “Giovana também tem muita personalidade. Quando não quer algo, não tem quem a convença. Ela ainda não fala, não caminha, mas se expressa bem, tem uma expressão facial muito forte, empurra o que não quer e se joga para quem ela quer. Quem convive com a Nana consegue entender a comunicação dela. Seu olhar é de muita paz! Ela é muito guerreira, luta suas batalhas silenciosamente, mas com muita força. E ainda passa muita força para nós, para continuarmos lutando.
Ela é um anjo que Deus emprestou para nós e nossa família. E um anjo que eu estou dividindo com tantas pessoas por meio das redes sociais. Vejo que mesmo quem não a conhece é tocado por ela”, emociona-se a mamãe. Eu que o diga! Não tem como olhar para a Giovana e não se encantar pelo seu doce e puro sorriso!
Gabriela destaca que “o significado de amor é refeito por toda mãe. Todo mundo depois que se torna mãe diz que isso é o amor. As pessoas me dizem: ‘eu no seu lugar não conseguiria’. Consegue sim! A gente só sabe que consegue quando a gente precisa. Só somos fortes quando precisamos. Alguns dizem que uma criança nessa condição nós amamos mais. Eu não sei, não tenho outra para comparar. Mas, para mim, o amor está personificado em minha filha. O amor é ela, é pensar nela antes de mim, fazer tudo por ela, dar minha vida por ela, colocá-la em primeiro plano sempre, olhar para ela e sentir meu coração explodindo de amor. Para mim, o amor maior é ser mãe, é a Giovana”!
Gabriela, pensando em inúmeras famílias que vivem a mesma situação que a dela, decidiu mudar seu Instagram para um perfil público (@maedenana) e divulgar informações sobre a Síndrome de Wolf. Segundo ela, “a Síndrome de Wolf-Hirschhorn, por estatística, atinge uma em cada 50 mil pessoas nascidas, mas nem todas elas têm diagnóstico. Às vezes, o resultado sai no cariótipo, outras não. Tem muitas pessoas que têm síndrome genética sem diagnóstico algum, ou com diagnóstico errado, pois muitas são parecidas. A importância de divulgar a Síndrome de Wolf é para que outras famílias que passam por essa situação tenham acesso à informação. Para que as pessoas saibam que existe, para que pesquisas sejam desenvolvidas. A gente costuma explicar para os médicos e profissionais da saúde que atendem a Giovana pela primeira vez, o que é a síndrome, pois muitos não a conhecem. Temos um dossiê, com tudo sobre a Nana, que levamos em todas as consultas”.
Gabriela ainda destaca que “muitos profissionais não conhecem a Wolf porque são poucos casos e eles precisam priorizar o que estudar. Falava-se muito pouco dessa síndrome nas faculdades. Hoje, as redes sociais propiciam que a gente consiga falar com um público muito maior. Faz com que crianças e adultos com Síndrome de Wolf possam se reunir, ainda que de forma virtual, para discutir, se organizar, trocar informação, trocar dicas e informações que, inclusive, médicos não sabem nos dar. Por exemplo, alteração no colesterol é comum em crianças com Wolf, mas os estudos não dizem isso. É a convivência de família que diz que quase todos têm essa alteração.
Quando abri meu Instagram e mudei o nome para @maedenana, o objetivo era divulgar a síndrome e mostrar que uma família com criança com deficiência não precisa ser tratada como frágil. Não precisa ter pena da gente! Temos uma vida plena, feliz! Venho desmistificar que uma família que tem uma criança com deficiência é digna de dó. Não é! É preciso mostrar (e isso parece um absurdo) que essa criança não é contagiosa, que ela tem condição e deve viver em sociedade, tem o direito de conviver, para ela é importante.
É preciso que os profissionais busquem conhecer a síndrome”.
É imprescindível acabarmos com o preconceito! Cada criança é única e especial! E todas são diferentes! Ser normal é ser diferente!
Para finalizar, termino com uma linda fala da Gabriela: “ser mãe, para mim, é o maior presente de Deus! A maior confiança que Deus teve em mim foi me conceder o privilégio de gerar uma vida, em uma condição especial. Deus confiou Giovana a mim! Ela tinha tudo para não nascer com vida, mas mostramos nossa capacidade, que íamos cuidar bem, e Deus concedeu a pequena chance que tinha dela nascer bem. Durante a gestação sempre olhava para o céu e dizia: ‘Pai, o Senhor já está cuidando dela, mas deixa eu cuidar dela agora, independente de como ela vier’. E Ele está me permitindo. Ser mãe é a confiança de Deus em nós”!
*Todas as fotos foram autorizadas pelos responsáveis legais da criança.
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