Hoje vamos falar sobre alimentação inclusiva! Muitas famílias, que convivem com crianças alérgicas, sabem como é difícil cuidar da alimentação de um filho com alergia alimentar. Mas não é impossível! A culinária inclusiva pode ser muito mais gostosa do que se pensa!

Para falar sobre esse assunto, conversei com a Carla Maia, que é cozinheira profissional, consultora em inclusão alimentar e pós-graduada em Responsabilidade Social pela PUC-Minas. Em 2015, Carla idealizou o portal Menu Bacana – Cozinha Inclusiva com o objetivo de auxiliar pessoas que devem se submeter a uma dieta restritiva a se reconectarem com o ato de cozinhar seus próprios alimentos e a desenvolverem receitas livres de alimentos alergênicos como o leite de vaca, ovos, soja e trigo e, assim, se especializou na Culinária Inclusiva. É fundadora da Escola de Cozinha Inclusiva, a primeira plataforma online de cursos de culinária voltada exclusivamente ao público que possui necessidades alimentares especiais, que atualmente conta com mais de 2 mil alunas e alunos.

Carla Maia

CANAL INFANTIL – Como você decidiu caminhar pela culinária inclusiva?

CARLA MAIA – A decisão de trilhar o caminho da culinária inclusiva surgiu de uma necessidade familiar após o diagnóstico de alergia às proteínas do leite de vaca de minha filha, aos 45 dias de vida. Com a introdução alimentar, foram diagnosticadas outras alergias alimentares, como às proteínas do ovo, soja e trigo. Como grande parte das famílias, nesta mesma situação, passamos por uma fase tempestuosa em nossas vidas, de busca pela compreensão da imposição de adotarmos uma nova rotina alimentar. Foi necessário muito diálogo e envolvimento de todos os membros da família, amigos e escola. Nessa fase, eu me dediquei a estudar profundamente o tema das necessidades alimentares especiais e iniciei o blog Menu Bacana. Ele começou como uma forma de compartilhar conteúdo informativo sobre inclusão alimentar e receitas adaptadas com outras mães e familiares que viviam a dificuldade em se adaptarem às mudanças profundas em nossas vidas. Nesse período, eu fiz também vários cursos práticos com o objetivo de aprender os fundamentos da culinária especial. A minha cozinha tornou-se um verdadeiro laboratório culinário. Ao longo dos anos, o projeto cresceu e a profissionalização do Menu Bacana foi um caminho natural. Em 2017, lançamos a primeira plataforma de cursos online do Brasil dedicada exclusivamente ao público que possui necessidades alimentares especiais. E para o ano de 2019, pretendemos abrir um Ateliê na cidade de Belo Horizonte, dedicado ao estudo do tema da inclusão alimentar, onde serão realizados cursos práticos, oficinas, palestras e vivências com o objetivo de promover a inclusão das pessoas que possuem necessidades alimentares especiais, como celíacos, alérgicos, intolerantes e sensíveis. Será um espaço de acolhimento, partilha e empoderamento.

CANAL INFANTIL – É difícil ser mãe de uma criança com alergia alimentar?

CARLA MAIA – Vivemos em uma sociedade onde a diferença não é uma característica, mas um problema. Se você possui alguma necessidade especial (física, cognitiva ou alimentar), você é visto como uma minoria causadora de problemas. Obviamente, cada minoria enfrenta seus dilemas e desafios. No caso das alergias alimentares, afirmo que vivemos em um paradigma da indiferença alimentar, uma vez que não existe o reconhecimento, em várias esferas, tais como a família, a escola, o mercado e o Poder Público, da especificidade alimentar de cada indivíduo. Na família, a alergia alimentar é muitas vezes classificada como algo fruto do imaginário dos pais de uma criança alérgica ou do próprio alérgico. A comunidade escolar, de forma geral, também não está preparada para lidar com a situação. No mercado, não existe uma rede de produtos e serviços adequados para as pessoas com necessidades alimentares especiais. Por fim, o Poder Público também não estabeleceu um conjunto de políticas públicas sobre inclusão alimentar. Em resumo, as dificuldades e desafios estão presentes em qualquer dimensão da vida, seja na esfera privada ou pública. Obviamente, estas dificuldades são diretamente proporcionais à gravidade de cada caso, bem como as condições financeiras e educacionais de cada núcleo familiar. Uma mãe em situação de dificuldade financeira (desempregada ou com subemprego) vai vivenciar os desafios da alergia alimentar de forma ainda mais dura e dramática, em razão da falta de apoio e suporte das nossas instituições, e isso deve ser debatido por todos nós, como sociedade. Devemos enxergar essas pessoas e buscar ferramentas que proporcionem o suporte necessário para enfrentarmos todos os desafios que a convivência com as necessidades alimentares especiais impõem em nossas vidas.

CANAL INFANTIL – Qual a importância do envolvimento da família na hora de mudar os hábitos alimentares?

CARLA MAIA – Sem dúvida, a família é um fator decisivo no sucesso ou fracasso do tratamento das alergias alimentares, que é a dieta de exclusão do alérgeno ou alérgenos. Os nossos hábitos alimentares são construídos, em primeiro lugar, no ambiente familiar. É na família que aprendemos não apenas o que devemos comer, mas como devemos nos alimentar. Quando recebemos o diagnóstico de uma necessidade alimentar especial, em regra, há um período de tensão para se compreender a nova dinâmica alimentar daquela família. As pessoas levam um tempo para compreender a gravidade da situação e de que o sucesso do tratamento depende de uma ampla mudança do comportamento dos membros da família. Imagine um núcleo familiar tradicional que valoriza o almoço de domingo em conjunto com grande parte dos membros ou as confraternizações de aniversários dos primos e primas. Com o diagnóstico, esses ambientes, anteriormente um espaço de alegria, se transformam em um ambiente de muita insegurança e medo. Existem casos de famílias que buscam realmente compreender a dificuldade enfrentada pelos pais de uma criança alérgica e se esforçam para adaptar os momentos de celebração e compartilhamento de alimentos de modo seguro, com compreensão e apoio. Todavia, existem casos de famílias que consideram a restrição alimentar uma grande bobagem e simplesmente excluem essas pessoas de seu convívio e, consequentemente, dos momentos de confraternização e construção de vínculos. É preciso ter muita calma e disposição para o diálogo. Em muitos casos é possível produzir alimentos livres de alergênicos observando procedimentos de segurança alimentar, adaptar receitas ou excluir aquele ingrediente por um tempo nas celebrações da família, em razão da segurança alimentar da criança. Em resumo, a família pode ser uma variável de suporte ou desestabilização no enfrentamento das alergias alimentares.

CANAL INFANTIL – É possível ter uma alimentação saudável e gostosa sem glúten, leite, ovos? 

CARLA MAIA – Sim, é super possível. A rotina alimentar, após o diagnóstico, deve ser completamente alterada. Naturalmente, vivemos um período turbulento logo após o diagnóstico. Nossa cultura alimentar valoriza a utilização de ingredientes tidos como essenciais na culinária, como o trigo, leite e ovos. Mas é importante que as pessoas saibam que há um amplo leque de possibilidades de substituições desses ingredientes tidos básicos da cozinha. Muitas pessoas que convivem com as necessidades alimentares especiais acreditam que sabor e segurança são questões incompatíveis. Eu acredito exatamente o contrário. Não é necessário escolher entre uma comida saborosa e uma comida segura. A culinária inclusiva busca, exatamente, reconciliar o sabor e a segurança. É possível comer todos aqueles alimentos que fazem parte de nossa memória alimentar e, ao mesmo tempo, garantir a segurança das pessoas que possuem uma condição alimentar especial. Nesse caso, é necessário dominar as técnicas da culinária especial. Eu creio que a culinária especial deve ser transmitida como um conjunto de técnicas elaboradas a partir de estudos e pesquisas realizados com base na culinária clássica. A partir da elaboração de um prato convencional, desenvolvemos novas técnicas que buscam a preservação de todas as características sensoriais, como aparência, cheiro, textura e sabor de forma a nossa memória alimentar. A ideia é apresentar produções culinárias adaptadas tão ou mais saborosas do que as produções convencionais, valorizando o uso de ingredientes naturais e minimamente processados. Com um pouco de esforço e uma boa orientação técnica, qualquer pessoa pode passar a ter autonomia na culinária especial e promover mais segurança, alegria e bem-estar às pessoas que possuem necessidades alimentares especiais e seus familiares.

CANAL INFANTIL – Como referência nacional na culinária inclusiva, qual a sua dica para os pais de crianças alérgicas? 

CARLA MAIA – Em primeiro lugar, é preciso aceitar a condição alimentar especial de seu filho. Não podemos brigar com a realidade. A alergia alimentar é um fato e deve ser encarada de frente. Em segundo, acredito que é fundamental a busca pela informação de qualidade sobre os principais temas das alergias alimentares, pautando-se em orientações de uma rede de profissionais capacitados, como médicos, nutricionistas, psicólogos, educadores, cozinheiros e chefs de cozinha. Com informação e conhecimento culinário, a travessia ao longo dessa fase fica muito mais leve. Por fim, acho muito importante construir uma rede de apoio com outras mães e pais que vivem ou viveram o mesmo desafio. Apoio é fundamental no enfrentamento das condições alimentares especiais. Uma conversa franca e aberta, seja por meio de encontros presenciais ou grupos da internet, pode ajudar muito uma família que enfrenta essa situação pela primeira vez. Devemos todos nós, que convivemos com as necessidades alimentares especiais, nos apropriar dessa causa e transformar as dificuldades e desafios em oportunidades de aprendizado individual e coletivo.

Para terminar, Carla deixa uma receita inclusiva super especial para você fazer no Natal, com a sua família!

PANETONE/CHOCOTONE

Ingredientes

120 gramas de farinha de arroz

120 gramas de fécula de batata

40 gramas de fécula de mandioca

100 gramas de farinha de amêndoas

4 gramas de goma xantana

10 gramas de fermento biológico seco instantâneo

10 gramas de fermento em pó químico

250 gramas de leite de inhame morno ou 300 gramas de suco de laranja em temperatura ambiente

180 gramas de açúcar demerara

60 gramas de purê de inhame ou 80 gramas de purê de batata doce

50 gramas de óleo vegetal

10 gramas de farinha de linhaça dourada

10 gramas de essência de panetone

10 gramas de essência de laranja

10 gramas de rum

5 gramas de lecitina de girassol

6 gramas de vinagre de maçã

1 grama de sal

 

* 150 gramas de frutas desidratadas ou 150 gramas de uvas passas ou 100 gramas de chocolate picado ou em gotas

 

Modo de Preparo

  1. Coloque em um bowl a farinha de arroz, a fécula de batata, a fécula de mandioca, a goma xantana, o fermento biológico seco instantâneo e o fermento em pó químico. Misture tudo muito bem, utilizando um fouet.
  2. Leve ao liquidificador os demais ingredientes, com exceção do vinagre. O vinagre será o último ingrediente a ser incorporado na massa, pois ele vai auxiliar no desempenho do fermento. Bata tudo em velocidade média por 1 minuto até formar uma emulsão.
  3. Acrescente a emulsão lentamente no bowl e misture a massa utilizando o fouet.
  4. Acrescente o vinagre e misture.
  5. Acrescente o chocolate picado ou as frutas cristalizadas ou as uvas passas e misture delicadamente.
  6. Transfira a massa para uma forma para Panetone (500 gramas).
  7. Utilizando uma colher molhada, vá alisando a superfície da massa delicadamente. Faça movimentos leves e afunde a colher ligeiramente nas bordas da forma, até que o centro da massa fique mais alto do que as bordas.
  8. Leve à estufa doméstica por 60 minutos.

Para fazer a estufa doméstica:

No microondas, você vai colocar um copo de água pra aquecer em potência máxima por 1 minuto. Depois de 1 minuto, abra o forno e afaste o copo para um cantinho do microondas e coloque a massa para crescer por 60 minutos com o microondas desligado e com a porta fechada.

Atenção, a contagem desse tempo total de 60 minutos deve ser feita da seguinte forma:

  1. A) Marque no relógio os 30 minutos iniciais da fermentação.
  2. B) Passados os 30 minutos, repita o processo: retire a massa do microondas, coloque um copo de água pra aquecer em potência máxima por 1 minuto. Depois de 1 minuto, abra o forno e afaste o copo para um cantinho do microondas e coloque a massa para crescer por mais 30 minutos com o microondas desligado e com a porta fechada.
  3. C) Nesse momento, ligue também o forno para preaquecimento a 180 graus e marque mais 30 minutos. Durante os 30 minutos do preaquecimento do forno, o pão continuará na estufa doméstica, completando o tempo total de 60 minutos de fermentação.
  4. Após os 60 minutos de fermentação na estufa, leve o Panetone ao forno para assar por 40 minutos.

 

Atenção! 

Pra você ter certeza de que o Panetone está assado, faça o teste do palito!

Assim que abrir o forno, espete o palito no meio do Panetone. Se o palito sair sem resíduo de massa, isso significa que o Panetone está assado. Caso o palito saia com resíduo de massa, volte o Panetone pro forno até que ele fique completamente assado, repetindo o teste do palito.

  1. Retire o Panetone do forno e coloque em uma grade ou superfície limpa e lisa. Vire o Panetone a cada 10 minutos até que fique completamente frio. Essa técnica vai auxiliar a definição dos alvéolos na massa.
  2. Aguarde o Panetone esfriar completamente.
  3. Corte o Panetone e sirva!

Conservação

Você poderá conservar o Panetone e o Chocotone na geladeira por até 3 (três) dias ou no freezer por até 1 (um) mês.

 

Cobertura de Chocolate 

Ingredientes

300 gramas chocolate em barra ou em gotas

200 gramas de leite vegetal

 

Modo de Preparo

  1. Leve ao fogo baixo em banho-maria, o chocolate com o leite vegetal.
  2. Mexa até derreter completamente e formar uma mistura lisa.
  3. Retire do banho-maria.
  4. Cubra o Chocotone com a cobertura e deixe esfriar completamente antes de fatiá-lo.

JÁ DEU ÁGUA NA BOCA!

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