Você já ouviu falar em mutismo seletivo? Esse é um assunto muito importante e que deve ser observado nas crianças. Confira o artigo da Dra. Valéria França, Doutora em Educação, Mestre em Clínica Médica, Fisioterapeuta e Especialista em Fisioterapia Respiratória e Laserterapia.

NÃO! O GATO NÃO COMEU A SUA LÍNGUA! 

É nesta época do ano, quando o período de adaptação escolar já passou, que algumas crianças demostram uma grande dificuldade de verbalização e/ou socialização na escola. São crianças que chegam da escola muito tagarelas (porque ficaram muitas horas sem falar no ambiente escolar) e, justamente por isso, elas podem passar muito tempo sem serem notadas pelas famílias, como tendo algum comportamento diferente das demais.

Mas existem sinais muito claros de que algo não está indo bem. Sabe aquela criança que é considerada muito tímida? Então! É preciso um olhar atencioso para distinguir a timidez de uma condição chamada “mutismo seletivo”.

O mutismo seletivo é um transtorno de comunicação que afeta principalmente crianças, caracterizado pela incapacidade de falar em determinadas situações sociais, apesar de terem a capacidade de se comunicarem verbalmente em outros contextos, como em casa ou com amigos próximos. Este artigo visa informar os pais e os professores sobre o mutismo seletivo, seus conceitos, diagnóstico e opções de tratamento, para que possam oferecer o suporte necessário às crianças que enfrentam esse desafio.

O que é Mutismo Seletivo? 

O mutismo seletivo é classificado como um transtorno de ansiedade na infância, podendo persistir até a idade adulta quando não tratado adequadamente. As crianças que sofrem desse transtorno podem se sentir extremamente ansiosas em ambientes sociais, como na escola ou em festas, levando-as a se absterem de falar.

É importante ressaltar que o mutismo seletivo não é uma escolha consciente da criança; é uma resposta à ansiedade que pode ser desencadeada por diversas situações. Há um “congelamento” da criança frente a situações para ela estressantes e a voz não ecoa, embora ela possa querer falar (algumas relatam que queria falar mas a voz não saiu).

Sinais e Sintomas 

Os sinais de mutismo seletivo podem incluir:

Silêncio em Situações Sociais: A criança pode não falar em ambientes como a escola, mas se comunica normalmente em casa.

Em casos mais graves, até mesmo em casa ela verbalizará com um ente familiar e pode se calar diante de outro, por exemplo.

Já ouvi relato sobre uma criança que verbalizava normalmente com a mãe e avós, mas não verbalizava com o pai e com os outros familiares. Algumas comunicam-se facilmente com as crianças, mas não verbalizam com os adultos. Outras contam longas histórias para pessoas de um determinado gênero, mas calam-se diante do outro.

Daí o nome “seletivo”: é como se a criança selecionasse com quem ela irá falar, mas o motivo dessa seleção ocorrer ainda é uma incógnita.

Na escola ela poderá verbalizar com uma professora ou com um coleguinha e não conseguir conversar com outra profissional e com os demais alunos.

Dificuldade em Interagir: Pode haver dificuldade em fazer amigos ou participar de atividades em grupo. A criança tende a isolar-se e preferir brincar sozinha no recreio. Esta criança merece um olhar cuidadoso do professor, que muitas vezes será o primeiro a perceber que este aluno precisa de atenção psicopedagógica.

Comportamentos de Evitação: A criança pode evitar situações sociais ou se mostrar extremamente ansiosa ao ser colocada em tais contextos. É possível que este pequeno prefira o colo dos pais em uma festinha a brincar com os seus pares, por exemplo.

Expressões Não Verbais: Muitas vezes, as crianças se comunicam através de gestos, expressões faciais ou escrita, porém o reforço a não verbalização não é a melhor estratégia, a não ser como uma primeira etapa para outras que virão durante o tratamento. A não ser por este motivo, estimular esse tipo de comunicação pode ser considerado um reforço positivo ao problema e, assim, é preciso muita cautela no caso do mutismo seletivo.

Diagnóstico

O diagnóstico do mutismo seletivo deve ser realizado por um profissional de saúde mental, como psicólogo, neurologista ou psiquiatra infantil.

O processo geralmente envolve:

1. Entrevistas: Conversas com os pais e professores para entender o comportamento da criança em diferentes contextos.

2. Observação: Avaliação do comportamento da criança em ambientes sociais.

3. Critérios Diagnósticos: O profissional utilizará critérios do DSM-5 (Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais) para confirmar o diagnóstico.

Para ser diagnosticada com mutismo seletivo, a criança deve apresentar dificuldades de comunicação em situações sociais por pelo menos um mês (exceto no primeiro mês de escola) e essas dificuldades devem interferir significativamente em seu desempenho acadêmico ou social.

Tratamento

O tratamento do mutismo seletivo geralmente envolve uma abordagem multidisciplinar e pode incluir:

1. Terapia Cognitivo-Comportamental (TCC): Essa forma de terapia ajuda a criança a enfrentar suas ansiedades e desenvolver habilidades de comunicação em ambientes sociais.

2. Terapia de Fala: Um fonoaudiólogo pode trabalhar com a criança para melhorar suas habilidades de comunicação e ajudá-la a se sentir mais confortável ao falar.

3. Intervenção Familiar: Envolver os pais e a família no processo terapêutico é crucial.
Os pais e cuidadores devem aprender estratégias para apoiar a criança em casa e em situações sociais sempre com acompanhamento especializado. O reforço positivo, sempre que a criança conseguir verbalizar publicamente, deve ser discreto, porém constante. Exemplo: Se a criança conseguiu falar pela primeira vez com alguém que até o momento não verbalizava, ela deve ser elogiada discretamente como reforço de uma atitude adequada, porém sem dar uma grande ênfase. Exemplo: “Parabéns por ter sido cordial com o Fulano”. Usar frases simples e de incentivo sem enfatizar o problema.

4. Ambiente Escolar: Professores precisam ser treinados para criar um ambiente acolhedor e seguro, onde a criança se sinta confortável para se expressar. Isso pode incluir permitir que a criança se comunique de outras formas, como por escrito, até que ela se sinta pronta para falar conforme já citei. Evitar que a criança fique em evidência, pois isso poderá ser um gatilho para a ansiedade. Forçar a criança a falar aumentará a ansiedade e consequentemente agravará o quadro.

Existem várias estratégias interessantes que os professores deverão usar com o auxílio do psicólogo especializado em mutismo seletivo tais como a escolha forçada (apresenta-se duas opções de resposta para que a criança seja “forçada” a responder). Exemplo de escolha forçada: Você prefere a cor vermelha ou azul? Caso a criança opte por não responder por algum tempo, apresenta-se as cores em algum objeto para que ela aponte a preferida e não fique sem responder, o que aumentaria a ansiedade.

A escolha forçada deve ser contínua durante vários dias até que a criança consiga escolher verbalmente. Esta é apenas uma das várias estratégias que devem ser utilizadas. Uma comunicação não verbal seguindo estas estratégias irá progredir para uma fala em baixíssimo volume até o alcance de uma comunicação verbal efetiva. É preciso ter constância e paciência.

Dicas para Pais e Professores 

Seja Paciente: O progresso pode ser lento, e é importante que pais e professores sejam pacientes e compreensivos. Acredite no potencial da criança, pois ela precisará sentir-se corajosa e confiante.

Crie um Ambiente Seguro: Proporcione um espaço onde a criança se sinta segura para se expressar, sem pressão para falar. Na escola muitas vezes a fala ocorrerá gradativamente entre a criança e outras pessoas e, aos poucos, o número de pessoas envolvidas na conversa irá aumentar progressivamente.

Incentive a Comunicação: Use jogos e atividades que incentivem a comunicação de forma lúdica e sem pressão para falar. Não permitam frases de constrangimento como : “O gato comeu a sua língua?”, “Esta criança é tímida?”, “Ela não gosta de falar ?”. Qualquer frase que aumente a ansiedade da criança irá funcionar como reforço para o mutismo seletivo.

O Mutismo seletivo ocorre em crianças pequenas (3 – 4 anos) e se não tratado adequadamente poderá persistir até a fase adulta. Com o tratamento precoce e adequado, o quadro poderá ser revertido totalmente e é muito gratificante ver a evolução dessas crianças.

Ouça o silêncio do seu filho, pois ele tem muito o que te contar.

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