O Blog Canal Infantil sempre traz matérias sobre a importância do respeito, da inclusão… E isso é necessário! Respeitar o outro e conhecer mais sobre as nossas diferenças é muito importante para vivermos bem em sociedade.
Hoje quero compartilhar com vocês uma entrevista muito especial que fiz com a Angélica de Oliveira, uma mulher de 31 anos, estudante de Jornalismo e Ativista da Causa Autista. A Angélica é um exemplo de mãe e de mulher! Ela é autista e possui dois filhos também dentro do espectro autista. E foi nessa situação que ela se reinventou e estudou muito para ajudar os filhos e para se conhecer melhor também!
Confiram a entrevista!
CANAL INFANTIL – O que é o Autismo?
ANGÉLICA DE OLIVEIRA – O Autismo (Transtorno do Espectro Autista – TEA) é um transtorno do neurodesenvolvimento. Os primeiro sinais aparecem por volta dos 2 anos de idade e acompanham a pessoa por toda a sua vida. Esses sinais são caracterizados por: dificuldade na comunicação e nas interações sociais; padrões atípicos de comportamento; atraso no desenvolvimento, como atraso de fala, de coordenação motora, atraso no andar. Pode apresentar também dificuldade de manter contato visual com a mãe e com as demais pessoas, ter mais interesse por objetos do que por pessoas, não saber brincar com as outras crianças, apego excessivo por rotinas e, também, como uma grande comorbidade do espectro logo na primeira infância, pode apresentar dificuldades sensoriais, como por exemplo: sensibilidade auditiva, seletividade alimentar, fotossensibilidade e dificuldade em manter contato físico.
CANAL INFANTIL – O autismo se manifesta da mesma forma em meninos e meninas?
ANGÉLICA DE OLIVEIRA – O autismo é quatro vezes mais frequente em meninos do que em meninas, e existem diferenças no autismo feminino e masculino. Podemos citar alguns exemplos: as meninas com autismo podem ter habilidades de comunicação mais desenvolvidas do que os meninos e interesses mais amplos. Notamos também que meninas podem apresentar menos prejuízos intelectuais do que os meninos, inclusive, é mais comum vermos meninas autistas verbais e meninos autistas não verbais. Por outro lado, os meninos têm uma chance maior de receber o diagnóstico de TEA na infância, pois as meninas, geralmente, recebem o diagnóstico tardio, já na adolescência ou na fase adulta. E a explicação para isso pode estar relacionada aos sintomas mais graves do autismo nos meninos, e o “masking” ou mascaramento que as meninas autistas fazem, escondendo seus sintomas do transtorno para conseguirem se encaixar na sociedade. “É como uma estratégia para se camuflar no meio das outras pessoas e muitas vezes as meninas usam a imitação como peça chave de mascaramento, imitando o comportamento das outras meninas ou mulheres”.
CANAL INFANTIL – Quando e como você descobriu que era uma pessoa autista?
ANGÉLICA DE OLIVEIRA – O fechamento do meu diagnostico veio aos 30 anos de idade, quatro anos depois que meus dois filhos foram diagnosticados com autismo, porém os sinais e sintomas sempre existiram. Desde a minha infância eu apresentei sinais atípicos no comportamento como (seletividade alimentar, brincava de enfileirar as bonecas e outros objetos, preferia conversar mais com adultos do que com crianças, sensibilidade auditiva, rigidez de pensamentos e apego a rotinas, além de alguns atrasos no desenvolvimento como dificuldade de pronunciar frases completas).
Os sinais ficaram mais aparentes aos 4 anos de idade, quando eu entrei na pré-escola. Tinha dificuldade de permanecer no ambiente escolar por conta dos estímulos sonoros e dificuldade de fazer amizades. Mas como nos anos 90 não se falava muito sobre o autismo, e o que se conhecia era sobre o autismo masculino em graus mais graves, eu não tive o tratamento que precisava. Minha mãe relata que ela já havia notado os comportamentos atípicos, mas não sabia bem do que se tratava, até a própria escola me encaminhar para a psicóloga. Foi aí que fui diagnosticada apenas com as comorbidades do autismo “transtorno de ansiedade e transtorno do processamento sensorial”, algo muito comum na época ser diagnosticado apenas com as comorbidades do autismo.
Boa parte da minha infância eu fiz tratamento com psicólogas e fonoaudióloga, e isso foi importante, pois me ajudou a desenvolver bem a fala. Porém, com o passar dos anos, as dificuldades de socialização e sensoriais foram aumentando até prejudicar minha vida escolar: eu tinha baixo rendimento na escola por falta de adaptações, crises de desregulação emocional, dificuldade em fazer amizades e também fui muito alvo de bullying. Esse pacote todo fez-me desistir da escola aos 16 anos, no Ensino Médio. Abandonei a escola e só consegui voltar anos depois, aos 21 anos, para concluir Ensino Médio.
Eu vejo que o diagnóstico fez muita falta na minha vida, principalmente na fase escolar, sem adaptações para o aprendizado e também sem o autoconhecimento, que dificultou minha vida social como um todo.
Quando veio o primeiro diagnóstico de autismo nível 3 do meu filho Murilo, o mais novo, em 2021, eu me dediquei a estudar sobre o transtorno e assim comecei a observar que eu e meu filho mais velho Conrado também poderíamos estar no espectro. O Conrado, atualmente com 10 anos, foi diagnosticado tardiamente, aos 7 anos, por ser autista nível 1 de suporte, igual a mim. Geralmente, o autista nível 1 é diagnosticado tardiamente e, como já sabemos que a maior causa do autismo é genética, ou seja, herdada, as peças do quebra-cabeça começaram a se encaixar.
Após a maternidade atípica, os meus sintomas do autismo começaram a ter uma piora, principalmente sobrecargas sensoriais, depressão e ansiedade. Nós sabemos que a maternidade demanda muito de uma mulher, e quando se trata de uma mulher autista o desgaste é triplicado, então comecei a fazer acompanhamento com psicóloga e psiquiatra até chegarmos no diagnostico de TEA.
CANAL INFANTIL – O que você sentiu ao receber o seu diagnóstico e como isso mudou a sua vida?
ANGÉLICA DE OLIVEIRA – Confesso que no primeiro momento foi muito difícil a minha autoaceitação de ser uma mulher autista. Eu passei por um período de luto e de muita tristeza, e vejo que foi mais fácil aceitar o autismo dos meus filhos do que o meu, pelo medo do impacto que o diagnóstico poderia ter na minha vida pessoal e profissional, pois tinha começado a graduação de Jornalismo, que era meu sonho.
No segundo momento veio uma sensação de alívio e de ter tido respostas para várias perguntas que me fiz a vida toda. Também entendi por que muita coisa deu “errado” na minha vida quando se trata de relacionamentos e relações sociais no geral. Hoje em dia, eu sei os meus gatilhos, eu sei como meu cérebro e meu corpo funcionam e consigo viver com mais qualidade de vida, respeitando meus limites.
CANAL INFANTIL – Seus dois filhos estão dentro do TEA. Como você lida com isso?
ANGÉLICA DE OLIVEIRA – Eu sempre os aceitei como eles são e sempre me dediquei a estudar sobre o TEA para ajudá-los a ter uma infância com mais qualidade de vida e entendimento do que eu tive. No entanto, as dificuldades existem por eu ser uma mãe autista, principalmente as falhas na nossa comunicação. Também em momentos de crises deles, pois também me desregula sensorialmente e eu preciso de suporte para lidar com a situação.
CANAL INFANTIL – Qual a importância de conscientizar as pessoas sobre o TEA?
ANGÉLICA DE OLIVEIRA – A disseminação da informação sobre o autismo é fundamental para quebrar as barreiras e o pré-conceito que ronda a sociedade sobre o TEA. Principalmente pelo autismo estar incluído como uma deficiência oculta, temos que conscientizar a população sobre os seus direitos e suas limitações, para assim promover a inclusão na sociedade.
CANAL INFANTIL – Infelizmente, na sociedade, o bullying acontece em várias situações. Com pessoas autistas é diferente?
ANGÉLICA DE OLIVEIRA – As pessoas autistas são mais vulneráveis a sofrer bullying e a entrar em relacionamentos abusivos quando comparadas a outras pessoas. Isso acontece pela dificuldade na comunicação e no entendimento da outra pessoa. Pessoas autistas podem apresentar dificuldade de entender expressões faciais e contextos sociais, não sabendo, assim, defender-se em algumas situações.
CANAL INFANTIL – Deixe uma mensagem para as pessoas.
ANGÉLICA DE OLIVEIRA – O diagnóstico de autismo não é o fim, mas, sim, o começo para uma vida com mais entendimento, empatia e respeito as diversidades de pessoas. E o diagnóstico tardio em mulheres abre um grande debate na sociedade: como por anos as mulheres foram apagadas e negligenciadas da história do espectro.